Popular Posts
-
Ed Kennedy é tudo, menos um herói... Na verdade, ele é, nas próprias palavras, um "perdedor", alguém sem perspectivas de vi...
-
A obra mais célebre de Eça de Queirós é também uma das mais envolventes e eróticas de todos os tempos. Em tempos de ...
-
Obra-prima de José de Alencar, correspondente à vertente indianista do Romantismo brasileiro, “Iracema” é, com certeza, um dos romanc...
-
Começando como uma brincadeira sobre intimidade de casal, certa noite o médico Fridolin e Albertine trocam confidências sobre sua...
-
Obra-prima de Raul Pompeia, “O Ateneu” é um romance que oscila entre a ficção e a realidade; porém, o tema central do livro é universa...
-
É sempre difícil escolher um livro em especial para ser objeto de análise e de uma apreciação – ainda que amadora...
-
Há alguns anos assisti ao filme FOME DE VIVER (The Hunger), de Tony Scott, clássico cult dos anos 80, que me chamou a atenção pelo ...
-
Eu escolho a maioria das minhas leituras de acordo com o autor ou o tema/sinopse, mas tive de a...
-
Um homem de idade já avançada, autointitulado “Dom Casmurro”, se apresenta, disposto a contar sua história; até aí, tudo b...
-
O jovem e fútil Dorian Gray, herdeiro de uma grande fortuna em Londres, encanta a todos que o conhecem, não apenas por sua herança, m...
Blogger news
Blogroll
Blogs Interessantes
-
CRÍTICA: TAXIDERMIAHá 10 anos
-
AnjoHá 11 anos
-
Páginas
Sobre este blog
Tecnologia do Blogger.
Leitores Seguidores
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Eu escolho a maioria das minhas leituras de acordo
com o autor ou o tema/sinopse, mas tive de abrir uma exceção muito especial
para R. J. Ellory (de quem ainda não havia lido nada) quando vi o livro “Uma
crença silenciosa em anjos”. Foi um dos poucos casos em que comprei um livro
pela capa: sou atraído por capas escuras, sombrias e isso, aliado à imagem das
asas ensanguentadas e o próprio título instigante, foram fatores determinantes
para que eu decidisse dar prioridade a essa obra, apesar de ter vários livros
na fila de “próximas leituras”.
A primeira coisa que posso dizer é que foi uma das
leituras mais deprimentes que já fiz; por deprimente quero dar a entender que o
livro cumpre perfeitamente sua intenção de perturbar o leitor em vários níveis,
fazendo-o sentir-se com o coração apertado perante tanto sofrimento e
injustiça, desafiando os limites mais insuportáveis da existência, tudo isso sem
parecer forçado ou caricato. De fato, “Uma crença silenciosa em anjos” é uma
completa jornada de enfrentamento das tragédias inerentes a todo ser humano,
quando seus maiores temores se tornam realidade, quando a fatalidade é uma
marca intrínseca da vida, uma sombra que tolda qualquer perspectiva de otimismo
a longo prazo.
O livro é descrito como um thriller, mas,
particularmente, vejo que ele se desdobra em uma dimensão muito mais
transcendental do que isso, assumindo um tom fortemente psicológico e dramático.
A narrativa elegante de Ellory confere ao romance uma sobriedade belíssima em
termos de linguagem, que chega a ser poética, embora lúgubre. Simultaneamente,
o autor explora a psique dos personagens – sobretudo do protagonista, Joseph
Vaughan, evidenciando o doloroso emaranhado de sentimentos, memórias e
experiências vividas por ele desde a infância – enquanto constrói toda a
atmosfera de paranoia e tensão coletiva que constitui o ponto de partida da
história: a onda de assassinatos brutais cometidos contra crianças, que se
inicia na pequena comunidade rural dos EUA onde Joseph mora, no final da década
de 1930, e que perdura por décadas sem que o assassino seja capturado ou
identificado.
Assim, embora o terror infligido por esses
assassinatos e as investigações em busca do serial killer constituam o caráter
de suspense policial essencial à história, eu creio que Ellory se destaca bem
mais na abordagem dramática do livro. Isso porque, afinal de contas, o foco do
romance é a forma como uma sucessão de tragédias pessoais, perdas e desgraças
do tipo mais atroz afetam radicalmente a vida de Joseph, que, inclusive, é quem
narra a maior parte do livro em 1ª pessoa; uma vez ou outra aparece o narrador
onisciente em 3ª pessoa. A influência nefasta do assassino de crianças sobre
Joseph cresce ao longo dos anos, até sua vida adulta, a ponto de seus destinos
se tornarem indissociáveis; daí, o único meio encontrado pelo personagem para
se libertar de seus terrores e exorcizar os demônios do passado é enfrentar seu
maior inimigo, a fim de alcançar sua liberdade e purificação pessoal, uma vez
que direta e indiretamente todas as perdas
e humilhações sofridas por Joseph estão ligadas a esse terror,
incorporado na forma de um assassino. E é justamente esse enfrentamento,
símbolo da nossa própria busca por uma autorrealização, que constitui a
magnífica catarse do livro.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
Há alguns anos assisti ao filme FOME DE VIVER (The Hunger), de Tony Scott, clássico
cult dos anos 80, que me chamou a atenção pelo visual sombrio e pela abordagem
neogótica bastante original do vampirismo. Logo em seguida tomei conhecimento
do romance que inspirou o filme, um livro bastante raro atualmente (uma vez que
teve apenas duas edições, ambas publicadas no Brasil no início da década de
1980). Depois de muito procurar, finalmente encontrei um exemplar e pude
mergulhar na atmosfera desse magnífico drama gótico.
A história gira em torno de Miriam Blaylock, uma vampira com muitos séculos
de vida. Já aqui começa a originalidade do livro de Strieber: sua vampira não
queima ao sol, não possui presas, não dorme em caixões nem se transforma em
morcego. Na verdade, a própria palavra “vampiro” não é mencionada em nenhum
momento no livro; esta é uma constatação a que se chega devido às
características essenciais do vampirismo clássico: a imortalidade e a fome de
sangue.
Miriam é uma criatura extremamente solitária; os seres da sua espécie
estão quase extintos e só podem se multiplicar através da reprodução entre
indivíduos dessa espécie. Assim sendo, Miriam sobrevive à passagem dos séculos
tendo vários amantes humanos com os quais compartilha sangue; eles não se
tornam vampiros, mas seres híbridos, que podem viver por séculos, mas com a
mesma necessidade de sangue humano que os vampiros. Contudo, esses amantes têm “prazo
de validade”: passados alguns séculos, sucumbem ao peso do tempo, envelhecendo
em poucos dias o que deviam ter envelhecido em décadas. Transformam-se em
cadáveres conscientes (literalmente, mortos-vivos) que Miriam “guarda” em baús
por toda a eternidade, à medida que vai substituindo-os por amantes jovens.
Preocupada com esse ciclo interminável de trocas de amantes devido ao
poder implacável do tempo, Miriam toma conhecimento do trabalho da Dra. Sarah
Roberts, especialista em envelhecimento. A clínica em que Sarah trabalha está
realizando experimentos sobre longevidade e a influência de Miriam altera
radicalmente os rumos dessas experiências, criando um vínculo de sangue
premeditado entre Miriam e Sarah, com desdobramentos trágicos.
“Fome de viver” é um poderoso romance gótico, excepcionalmente bem
elaborado. A abordagem vampiresca (dado que sou fã dessa temática)
surpreendeu-me bastante. O modo como o vampirismo é retratado é tão realista e
natural que se torna crível, não sobrenatural ou mitológico. Ainda que os
vampiros tenham ressuscitado como modismo adolescente, o livro de Whitley
Strieber apresenta conceitos fascinantes e criativos acerca de tais seres. Não
há puritanismo ou crises existenciais sobre o valor das vidas humanas tiradas. Ao
invés disso há a frieza e crueldade instintivas da “espécie” e o forte apelo
sexual (inclusive com descrições eróticas de muito bom gosto). A Fome de viver
fala mais alto do que remorsos ou culpas, limitações ou receios. Enfim, uma
obra pulsante, sombria, sensual e alucinadamente sangrenta: um relato impecável
do poder e fascínio vampirescos.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
"Minha principal angústia e a
fonte de todas as minhas alegrias e sofrimentos desde a juventude tem sido a
incessante, impiedosa batalha entre o espírito e a carne... e minha alma é a
arena onde esses dois exércitos têm lutado."
“ – Ele é o Senhor, não é? Pode, portanto,
fazer o que bem entende. Se ele não fosse capaz de cometer injustiças, que tipo
de Onipotência teria?”
“Pilatos sorriu:
– O que quer dizer verdade?
O coração de Jesus contraiu-se de
tristeza. Assim era o mundo. Assim são os governantes. Eles perguntam o que é a
verdade e riem.”
Só pelo título já é possível
conjeturar as razões pelas quais este livro foi “amaldiçoado” por diversos
grupos religiosos conservadores e, obviamente, pela Igreja acabando por ir
parar naquele badalado rol de obras que os fiéis não devem ler se desejarem ir
para o Céu: o Index Librorum Prohibitorum.
Eu achava que seria algo
desrespeitoso, grosseiro ou caricato, que justificasse tanta perseguição e
condenação da obra, mas o que vi foi um livro maravilhoso no qual o autor traça
um formidável exercício criativo. Jesus é representado de forma totalmente
humana, inseguro e vulnerável às tentações da carne, mas isso de nenhuma forma
diminuiu ou ridicularizou sua imagem para mim (eu sou cristão: não que isso
faça diferença). Para mim não é necessário ter de escolher acreditar em um ser
inalcançável e perfeito ou num ser humano de carne e osso como nós, e ainda
assim ser “divino”, capaz de se sacrificar por seus ideais e por amor, acima de
tudo. Na verdade, a representação física de um ícone, a meu ver, tende a
aproximar o adorador à coisa/ser adorado, mostrando que tal ícone é palpável,
mais real, não inteiramente etéreo.
Kazantzakis fez uma excelente
releitura da história de Cristo, sem adulterar os evangelhos, mas recriando a
trajetória do Salvador (particularmente seu calvário pessoal, crivado de
tentações) num contexto carnal, material, como ele bem explica já no prólogo, o
qual reflete o conflito entre a carne e o espírito que acompanha não apenas o
personagem, mas os seres humanos em geral, independentemente de crença – ou
falta dela.
Naturalmente, por contexto e
temática, “A última tentação de Cristo” lembra o também controverso livro de
José Saramago, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, mas é possível notar que o
primeiro é mais formal, simples e sensível, apesar da escrita vigorosa,
enquanto o livro de Saramago possui uma abordagem mais crua, rigorosa e
preocupada com a estética narrativa que caracteriza o autor.
Finalizando, recomendo muito “A
última tentação de Cristo” aos leitores que têm mente aberta e ávida por novas
perspectivas (do ponto de vista literário e ficcional, ressalte-se), deixando
de lado convicções religiosas durante a leitura, porque este não
é um livro com a finalidade de ofender ou abalar os pilares de nenhuma crença. É, sim, um livro provocante, mas por suscitar
reflexões muito mais intrínsecas do ser humano: suas angústias, aflições e
dúvidas atemporais entre a carne (matéria) e a essência que nos define (o
espírito). Nesse aspecto é uma obra-prima.
Cena do filme "A última tentação de Cristo"(1988), de Martin Scorsese, adaptado do romance de Kazantzakis
domingo, 11 de janeiro de 2015
Começando como
uma brincadeira sobre intimidade de casal, certa noite o médico Fridolin e
Albertine trocam confidências sobre suas fantasias sexuais envolvendo
terceiros. A confissão de Albertine, entretanto, mais tórrida e realista,
desperta em Fridolin certo desespero e insegurança em relação à esposa e, a
partir de então, ele se lança numa mórbida jornada sexual, onde o erotismo
disputa espaço com uma complexa, mas sucinta análise psicológica dos
personagens envolvidos.
Depois de
saber da “traição” – apenas fantasiosa – da esposa, ao afirmar ter desejado
outro homem há muito tempo, Fridolin, cego de ciúmes, é chamado às pressas para
atender um paciente no meio da noite e sai pelas ruas de Viena perturbado,
tendo um encontro constrangedor com a filha do tal paciente (falecido antes que
ele chegasse lá), uma mulher que alimenta fantasias com ele. Retornando à sua
casa, ele encontra uma prostituta. Em ambos os casos, a perturbação em que se
encontra o impede de trair Albertine, embora as circunstâncias o favorecessem.
Continuando sua andança, reencontra um amigo que acaba revelando-lhe detalhes
sobre seu novo trabalho, que consiste em tocar piano em certas reuniões
secretas, nas quais os participantes usam máscaras e promovem orgias
ritualísticas. Interessado, Fridolin manifesta vontade de ir a uma dessas
reuniões, embora seu amigo demonstre contrariedade. Enfim, arranjando um meio
de entrar como penetra em uma dessas reuniões, Fridolin defronta-se com algo
diferente de qualquer coisa que pudesse ter imaginado. A partir de então,
sonho, realidade, luxúria e culpas misturam-se numa torrente de emoções e sentimentos
confusos para o protagonista.
Como
transparece no título da obra (no original, “Traumnovelle”), do austríaco
Arthur Schnitzler, “Breve romance de sonho” é uma obra curta, onírica, sobre o
amor em sua faceta mais perturbadora, surreal. Como contemporâneo de Freud e visivelmente influenciado por suas teorias de interpretações psicanalíticas dos sonhos, Schnitzler evidencia as neuroses da vida conjugal e da infidelidade sob uma perspectiva tão sensual quanto assustadora, de modo que o livro oscila entre ser uma história de amor e de terror. Unindo elementos eróticos a uma
abordagem sombria das ânsias dos personagens nessa busca por satisfação
pessoal, carnal, Schnitzler constrói uma novela densa, em que, os segredos, as
vergonhas e as frustrações dos protagonistas a respeito de si mesmos e de seus
parceiros criam uma tensão simultânea, mas sutil. A escrita do autor permeia a
obra de um suspense que beira o terror psicológico enquanto o leitor é
arrastado para um mundo instintivo onde sexo e medo estão entrelaçados de modo
impressionante.
Provavelmente,
como o leitor terá notado, a história soa familiar; de fato, o livro de
Schnitzler deu origem ao famoso – e último – filme de Stanley Kubrick, “Eyes
wide shut” (“De olhos bem fechados”), com Tom Cruise e Nicole Kidman. Com
algumas modificações no roteiro, como a mudança na ambientação e no nome dos
personagens, o filme de Kubrick capta muito bem a essência da excelente obra em
que se inspira.
Pôster do filme "De olhos bem fechados" (Eyes wide shut, 1999), de Stanley Kubrick
O livro "Breve romance de sonho" está disponível para download, em PDF, NESTE LINK.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
O
microbiologista Felix Rossi, juntamente com um pequeno grupo de outros
cientistas, está examinando o Santo Sudário (o tecido que supostamente serviu
de mortalha ao corpo de Jesus Cristo). Entretanto, secretamente, o Dr. Rossi
furta alguns fiapos ensanguentados do Sudário, com o audacioso plano de
realizar um clone do Filho de Deus. A partir de então, ele dá andamento a uma
jornada exaustiva para a consumação deste plano, em especial a busca por uma
“mãe” para o clone, caso a experiência dê certo.
Em síntese,
essa é a ideia central do livro de Jamilla Lankford, um projeto que do ponto de
vista informativo funciona bem melhor do que como ficção. Expliquemos o porquê.
Como trata de
uma dupla polêmica (clonagem e a “humanidade” de Cristo), o romance é bastante
competente nas suas descrições científicas, abordando a clonagem sob uma
perspectiva “didática”, muito acessível à compreensão dos leitores que, assim
como eu, não têm graduação em Biologia ou especialização em Engenharia genética.
As informações sobre o Sudário também são resultado de competentes pesquisas,
embora essa história de “ressuscitar” o Salvador através da tecnologia não seja
necessariamente uma novidade na literatura de ficção científica.
Lankford,
entretanto, apresenta seu romance sob uma perspectiva mais humanizada – uma vez
que seu projeto tem em vista a criação de um ser humano como outro qualquer
através da manipulação de DNA, deixando de lado, até certo ponto, a condição
divina de Cristo. Até aí tudo bem; contudo, a história criada pela autora para
abordar esse tema carece de ação e até mesmo de personagens mais interessantes
e polivalentes. Excetuando-se o protagonista, Dr. Felix, cujas motivações para
a criação do clone são realmente interessantes e valem a leitura, os demais
personagens são rasos e não têm o peso necessário para ter importância na
história. Até mesmo a mãe que Felix arranja para o clone é uma personagem
frágil e sem graça, o que é justificado pelo fato de ela ser uma “reconstrução”
de Maria: abnegada e inteiramente entregue à sua fé.
De fato, nota-se que Lankford tenta
reconstruir, a seu modo, uma Segunda Vinda de Cristo, traçando paralelos entre
a sua obra e o texto bíblico. Assim, há uma Maria (Maggie), que aceita a missão
de ser a mãe do Filho de Deus, um José (Sam), o homem que a ama, mesmo sem
poder tê-la fisicamente até o nascimento da criança e até um Herodes (o
milionário Brown, que vê seu império ameaçado pela vinda desta criança e
pretende executá-la).
Todavia, a
história flui muito lentamente, com um desenvolvimento previsível ao longo de
suas mais de 380 páginas. Talvez a falta de reviravoltas no livro, bem como a carência
de tensão tenha sido a intenção da autora, mais preocupada com os pequenos
dramas pessoais dos personagens, em uma busca espiritual rasa do que com os
desdobramentos reais da experiência do Dr. Rossi, os quais são apenas
superficialmente apresentados no decorrer do livro, ganhando mais consistência
com a proximidade do clímax. Esse ápice é o ponto mais importante do texto e
pelo menos aqui a autora costura o nascimento da criança com os eventos
turbulentos decorrentes dele de forma muito verossímil e frenética, apresentando
o caos sensacionalista da mídia, inclusive, depois que a notícia do clone vaza
abertamente. Contudo, passados esses bons momentos, o livro volta ao seu
patamar original de obra rasa e encerra-se com um final meio frustrante,
provavelmente aberto a uma sequência.
Para
finalizar, se me perguntam se “O Clone de Cristo” é um livro ruim, eu respondo
que depende do que se espera dele: se é um romance policial à maneira de Dan
Brown, esqueça, pois no livro de Lankford não há a ação vertiginosa nem os
personagens enigmáticos que acarretam tantas reviravoltas ao longo do texto num
ritmo de tirar o fôlego. Não, nada disso.
Ainda assim,
para mim a leitura valeu a pena pelas informações científicas e pelo embate
entre ciência e religião – um de meus temas prediletos – mesmo que a autora não
tenha sido tão bem-sucedida na construção da história.
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
Constance, uma
aristocrata britânica criada no seio de uma família relativamente liberal, é casada
com Clifford Chatterley, que retorna da Primeira Guerra paralítico em
consequência do conflito. O casal vive em uma majestosa propriedade rural
inglesa, acompanhado apenas de alguns criados e da enfermeira de Clifford (que,
posteriormente torna-se governanta da casa). Naquele ambiente bucólico,
Constance conhece Oliver Mellors, o guarda-caça do marido e acaba por se
envolver em um tórrido relacionamento sexual com ele.
Basicamente é
esta a premissa do romance de David Herbert Lawrence; contudo, a obra não fica
presa no modelo simplista de mais um livro sobre adultério feminino. Publicada
já no século XX, a obra de Lawrence é estruturalmente inovadora em vários aspectos,
sendo, sem dúvida, a abordagem sexual aberta um dos mais relevantes. Lawrence
utiliza, nas constantes descrições e diálogos eróticos uma linguagem bastante
crua e direta, sem eufemismos no que se refere ao ato sexual, que é mencionado
em detalhes objetivos. O tratamento liberal dado ao sexo justifica por que “O
amante de Lady Chatterley” gerou tanto escândalo na sua época e até problemas
judiciais, o que resultou na censura de trechos mais explícitos do livro.
Apenas à beira da década de 60 o texto integral foi liberado e chegou a ser
conhecido amplamente.
Como já
mencionado, o romance difere da maioria das histórias clássicas sobre adultério
da literatura ocidental (como ‘Madame Bovary’ e ‘O primo Basílio’),
especialmente porque, neste caso, a mulher tem plena consciência de seus atos,
não estando seduzida pelo homem, deixando-se levar por inércia e ilusões
românticas. Longe disso, Constance foi educada sob frouxos e inovadores princípios
morais (já não era virgem quando se casou) e compreende seu papel ‘feminista’
como ser humano ativo, sem a passividade característica das personagens
femininas nas obras do século XIX. Lady Chatterley é um símbolo da mulher do
novo século, que anseia por liberdade sexual e a alcança tanto em ações quanto
em pensamento. Não são raras as ocasiões em que Constance conversa abertamente
sobre sexo e orgasmo com o marido inválido (ele deseja um herdeiro e até sugere
que ela engravide de alguma ‘aventura’ externa) e com Mellors, de quem realiza
as fantasias e vice-versa.
Entretanto, a
obra de Lawrence projeta-se além do apelo carnal imperioso dos personagens: ele
discute a modernização, acima de tudo; seja a própria concepção moderna do
sexo, isto é, o desfrute dele sem o pudor hipócrita e os estigmas das épocas
passadas, seja através do conceito mais concreto da palavra ‘moderno’ numa
escala global: a industrialização. O livro fala amplamente acerca da
industrialização que cada vez mais mecaniza o ser humano e suas relações na
sociedade, evidenciando, paralelamente, o contraste entre a zona rural – onde
se passa a maior parte da história – e a cidade, que cresce e gera lucros
exorbitantes para alguns, enquanto outros são explorados em sua mão de obra.
De uma forma
ou de outra, o livro de Lawrence lida com a dualidade; figurativamente,
ressaltando a força e vigor instintivo e emocional do ser humano apoiados em um
ambiente natural (o campo) e a perda da naturalidade de suas relações
(inclusive a intimidade) através do artificialismo moderno e da mecanização da
sociedade urbana. Nota-se, por fim, que “O amante de Lady Chatterley” é um
romance paradoxal e complexo, insinua-se pelos caminhos da psicologia dos
personagens e de questões sociais, as quais se mesclam ao erotismo e resultam
em uma obra relevante.
Pôster da adaptação cinematográfica de "O amante de Lady Chatterley", de 1981, dirigida por Just Jaeckin. Como grande parte dos clássicos, o romance teve várias versões para o cinema.
Este livro está disponível para download em PDF NESTE LINK.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Entre os
maiores mistérios existenciais da espécie humana, um dos mais aterradores,
juntamente com o drama da própria morte, é a existência do Mal; não um mal
metafórico, figurativo, ou ancorado em princípios éticos de comportamento, mas
o Mal palpável, demoníaco, referente à existência do Diabo, do Inferno e de sua
influência perniciosa e destrutiva sobre o ser humano. Tal perspectiva, que não
deixa de estar intrinsecamente ligada a religião, sempre sofreu ‘intervenções’
por parte da ciência e, em particular, da medicina, como se uma delas tivesse o
poder de anular ou descartar inteiramente a outra.
Baseando-se com maestria nesse conflito entre fé e
ciência relativamente à demonologia, William Peter Blatty construiu um dos mais
perturbadores e célebres romances de terror de todos os tempos: “O Exorcista”,
êxito que se repetiu na adaptação cinematográfica realizada logo após seu
lançamento.
Em resumo, trata-se da história de Chris McNeil, uma
atriz e mãe de uma garota pré-adolescente que passa a manifestar um
comportamento bizarro e violento, inexplicavelmente. A princípio, a garota
(Regan) é submetida a uma extenuante série de exames – alguns deles bastante
invasivos – a fim de se diagnosticar a causa de seus problemas aparentemente
psicológicos. Contudo, após todos os exames, onde fica claro que ela não tem
nenhum problema mental, e ao passo que a situação ainda assim se agrava cada
vez mais, resta apenas recorrer a um meio “alternativo”:
um exorcismo.
A partir de então, obra de Blatty desenvolve-se por
meio da alternância entre a visão científica para o exorcismo (através do termo
autossugestão) e a perspectiva da
Igreja, a qual ainda crê na sua eficácia, mas exige comprovação de que os
supostos endemoninhados não são apenas portadores de desvios psicológicos. Para
promover essa visão dual sobre o exorcismo, Blatty apresenta Damien Karras, um padre
e psiquiatra que está sofrendo de uma crise de falta de fé, acentuada com a
morte recente da mãe. Caberá a ele a árdua missão de desvendar e lidar com a
força maligna que está possuindo Regan.
Os personagens de Blatty, com ênfase em Chris e
Karras, são multidimensionais, abordados em suas diversas facetas psicológicas,
o que por si só situa o livro num patamar muito mais elevado do que o de mero
horror. A história possui a densidade necessária para sugar o leitor a um
universo de dúvidas quanto ao que acreditar. Os próprios conflitos existenciais
de Karras e suas numerosas dúvidas entre a fé e a ciência o tornam um
personagem genuinamente humano, no sentido mais simplista e limitado da
palavra. Ele, sendo um clérigo, deveria exercer mais fé na sua crença,
enquanto, por sua vez, sendo psiquiatra, poderia crer na medicina e na ciência
como um todo de modo a corroborar seus princípios. Entretanto, o que vemos é um
ser atormentado pelo vácuo da sua própria vida, fragilizado pelas perdas e que,
num último esforço de se provar capaz, encara a pequena Regan como o desafio
que pode, ainda que inconscientemente, redimi-lo e fazê-lo restituir sua
própria fé, o que será alcançado com o auxílio de outro personagem, não menos
importante: o ancião padre Merrin. Este ganha destaque já no final do livro,
mas sua participação no desenlace da história é crucial.
Longe de ser uma obra rasa de horror sobrenatural ou,
como alguns pensam, um livro apológico sobre cultos demoníacos, “O Exorcista”
é, antes de tudo, uma perturbadora viagem psicológica nos labirintos do bem e
do mal, da ciência e da religião e suas ambiguidades. Há, sim, uma história
sobrenatural aterradora, perversa, bem como detalhadas informações sobre cultos
satânicos (com destaque na Missa Negra), possessões, exorcismos e sobre o
demônio abordado na obra: Pazuzu.
Uma história de terror profunda, mas, ao mesmo tempo,
escrita com simplicidade, sem floreios nem pedantismo, aliada a uma grande
riqueza de detalhes informativos, tudo isso contribui para fazer de “O Exorcista”
um livro essencial aos amantes de obras inteligentes, independentemente do
gênero.
Pôster da premiada adaptação de "O Exorcista", de William Friedkin, de 1973
*O livro está disponível para download (PDF) NESTE LINK.
*O livro está disponível para download (PDF) NESTE LINK.
Assinar:
Postagens (Atom)