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quinta-feira, 14 de novembro de 2013



                É sempre difícil escolher um livro em especial para ser objeto de análise e de uma apreciação – ainda que amadora e superficial – que dignifique a obra. Contudo, pegando carona na abordagem acerca das dualidades humanas na literatura, tão bem registrada por Fernanda Barros, julguei interessante falar algo a respeito de outro clássico que, sob uma perspectiva diferente, também tece intrigantes considerações sobre o tema.

                “Frankenstein”, obra aclamada de Mary Shelley, concebida entre pesadelos e inquietações da autora (tal qual “O Médico e o Monstro”, de Stevenson), é um livro verdadeiramente tenso e sombrio, do tipo que pode causar arrepios e desconforto no leitor. Entretanto, tais sensações estão mais relacionadas ao conteúdo crítico do livro do que pelo clima de terror propriamente dito (o qual, diga-se de passagem, não é tão destacado quanto o cinema pinta, de forma estereotipada). A obra possui, sim, todo um clima gótico e, por diversas vezes, depressivo, uma provável influência de Byron, amigo da autora; entretanto, o diferencial do livro é a discussão implícita sobre a dualidade da alma humana, a qual estão entrelaçados valores morais (bem, mal) e estéticos, como a ditadura da perfeição física.
                Em “Frankenstein”, o ponto de partida adotado é a obsessão pela ‘cura’ da morte ou, mais precisamente, a superação da mesma através de métodos ilícitos; tais métodos não são especificados, mas a autora faz menção a galvanismo e outros procedimentos científicos de efeitos discutíveis, que geram ainda controvérsias nos campos da medicina e da ética. Obcecado pela ideia de poder criar um ser vivo ‘melhorado’ através de experimentos bizarros, o Dr. Victor Frankenstein (personificação da ânsia insaciável do homem pelo conhecimento) constrói a famigerada e horrenda criatura dotada de vida, a quem logo despreza, ao tomar consciência – demasiadamente tarde – do quão desastrosa fora sua experiência. Horrorizado ao finalmente ver a sua criação concluída de maneira tão grotesca, Frankenstein, o criador, abandona o “monstro” à própria sorte.
                Mais do que simbolicamente, o abandono da criatura pelo criador nos faz refletir acerca do maniqueísmo e dos rótulos predeterminados pela aparência: quem é, afinal, o monstro? A criatura, cujo aspecto físico é repulsivo, mas é inicialmente inofensivo, ou o criador, homem respeitável perante a sociedade, que não quer assumir as responsabilidades que lhe são pertinentes diante do fracasso de sua obra? A dualidade da alma humana, em seus aspectos primordiais (bem e mal) é trabalhada de maneira representativa; o conflito é visto, sob uma visão superficial, como o mesmo de “O Médico e o Monstro”, embora aqui as personalidades aparentemente opostas estejam separadas em dois indivíduos distintos, não fazendo parte do mesmo organismo, como ocorre na obra de R. L. Stevenson.
O bem é representado pelo Dr. Frankenstein, enquanto o mal é sintetizado em sua criatura abominável... mas, até que ponto? Até que ponto os seres se conservam bons ou maus? Embora Frankenstein tenha tido em vista um progresso científico, o que devia encaixá-lo na categoria de “bom”, nota-se que ele possui ganas de se destacar por seu feito, tornar-se célebre, o que deve situá-lo numa categoria menos favorável do ponto de vista moral. Paralelamente, a criatura não é má por natureza; no início é apenas um ser confuso, que não sabe se comunicar, teme os homens e envergonha-se de sua triste figura física. O desprezo dos seres humanos pelo seu aspecto (note-se aqui a estética da beleza física implícita, mas evidente) o faz desgostar-se com a humanidade, sendo, por assim dizer, obrigado a odiá-la. Daí, surge o desejo de vingar-se, tornar-se odioso e mau, uma vez que fracassou na tentativa de “ser bom”. A vingança contra seu criador é, de fato, execrável, mas até certo ponto justificável pela Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Os sofrimentos e perturbações que ele impõe a Frankenstein são, afinal, pouca coisa comparados à vida desgraçada e forçadamente isolada que o monstro é condenado a viver.
Mary Shelley desejava escrever apenas um conto de terror que, nas palavras da própria autora, fosse capaz de gelar o sangue do leitor. Embora certamente ela tenha conseguido tal feito, pôde simultaneamente construir uma importante alegoria a respeito de valores e questões intrínsecas à existência humana. Some-se a isto uma linguagem fluente, rápida e dinâmica e será possível fazer clara ideia do conteúdo de seu livro monstruosamente humano.


"Frankenstein de Mary Shelley" (1994), de Kenneth Branagh: uma fiel e cuidadosa adaptação do livro clássico.

O livro "Frankenstein" está disponível para download, no formato PDF NESTE LINK.
terça-feira, 12 de novembro de 2013

     Em agradecimento ao convite recebido para adentrar neste macrocosmo tão vasto de leituras compartilhadas, através de elevados e propícios pontos de vista, recorro a uma artimanha reles, porém necessária. Eis a explicação sucinta: ao acessar o blog, deparo-me com o comentário crítico da obra "O Médico e o Monstro" e eis que surge do meu intrínseco a grande verve de também arriscar minhas considerações a respeito de "um clássico que continua assustando e fascinando gerações", como bem evidenciou o meu amigo e idealizador do blog, no início de seu texto, o qual encontra-se no seguinte link de acesso: http://metamorfosedaleitura.blogspot.com.br/2013/03/sobre-o-livro.html.

     Apesar de ser, de fato um clássico, tive o incrível prazer de conhecer a obra, em seu texto completo, somente este ano. E assim que a temática - a respeito de um ser que se transforma em outro e vice-versa - apareceu relembrei de outra obra (mania de nerds alucinados por leitura!!!!!): "O Lobo da Estepe" do Hermann Hesse, pois há nesta obra o enfoque do homem e dos seus instintos animais, provando assim o quanto somos vários ou no mínimo dois. Dois seres com apenas algo em comum: o ser que os resguarda.
     No caso de "O Médico e o Monstro" até mesmo a aparência física era modificada sempre que Hyde aparecia, incialmente de maneira forçada através das fórmulas devidamente preparadas por Jekyll e, mais tarde, não havia mais o controle científico de quando Hyde apareceria, mesmo quando o "elixir" não era absorvido pelo organismo do médico. Esse descontrole aparece também na obra de Hesse, mas de maneira mais sutil: o lobo não consegue ficar trancafiado sempre que alguma situação social o força a moderar-se, a entrar no jogo hipócrita do "como agir para agradar a todos?". E essa mesma questão podemos analisar no cerne da obra de Stevenson, pois Jekyll declara em sua carta o quanto precisava da presença de Hyde, já que tudo aquilo que este fazia (e com tamanho desembaraço, muitas vezes) jamais poderia ser feito por aquele, homem de renome, reconhecido por seus trabalhos e elevados préstimos à sociedade londrina.
     A dúvida existe nas duas obras: o lobo ou o homem? o médico ou o monstro? Há como separar as duas disparidades se elas são concentradas, por mais absurdo e insano que pareça, num mesmo e único ser? Jekyll, em seu final tresloucado, mas ainda com réstias de consciência, conclui que não poderia optar por Hyde, por mais que este fosse a sua forma de ganhar liberdade para fazer e agir o que bem lhe entendesse e a quem quisesse, não importando em nada os malefícios causados a outros. Raciocina ele que se Hyde fosse o ser que permanecesse estaria desamparado em diversos aspectos e um deles era o desamparo da racionalidade tão presente em si mesmo, ou melhor dizendo, em Jekyll.
     E é metamorfoseado em Jekyll-Hyde que o corpo da dualidade forçada é narrado ao leitor. E nesta parte da obra, veio-me à mente mais uma: "A Metamorfose" do grande Kafka. Gregor Samsa "simplesmente" amanhece tal qual um inseto (não, Kafka nunca quis demarcar qual inseto e é uma heresia fazê-lo nós mesmos!) e o livro todo ele entra em combate com sua condição física, com seus instintos, com suas memórias e seus pensamentos atormentadores atuais e, assim, mais uma vez temos a dualidade, a batalha entre o que pensamos ser e o que detestamos que, de alguma forma, pudéssemos ser ou sermos entendidos e vistos.
 
     De certa maneira, "o outro", "o monstro", "o bicho", "o selvagem" é oriundo do medo, da agonia, do desespero sobre a opinião alheia, sobre como seremos analisados e medidos. É por esse meio que a outra parte se revela, mesmo quando é escondida a sete chaves no âmago mais profundo e obscuro do ser. É por ser amordaçada que a besta (a última referência nerd da postagem, já que estou finalizando a mesma: em "Viagem ao redor do meu quarto" do escritor francês Xavier de Maistre, o qual teve como leitor Machado de Assis, faz nascer em seu livro diversas teorias incríveis e uma delas é sobre "a alma e a besta" e esta última é a responsável por todas as atitudes arbitrárias e incomuns, as quais a alma jamais teria coragem e/ou determinação) procura e encontra a verve da saída para mostrar-se e chocar, certamente, a profusa notoriedade do meio social.