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segunda-feira, 12 de outubro de 2015


                

                Eu escolho a maioria das minhas leituras de acordo com o autor ou o tema/sinopse, mas tive de abrir uma exceção muito especial para R. J. Ellory (de quem ainda não havia lido nada) quando vi o livro “Uma crença silenciosa em anjos”. Foi um dos poucos casos em que comprei um livro pela capa: sou atraído por capas escuras, sombrias e isso, aliado à imagem das asas ensanguentadas e o próprio título instigante, foram fatores determinantes para que eu decidisse dar prioridade a essa obra, apesar de ter vários livros na fila de “próximas leituras”.
                A primeira coisa que posso dizer é que foi uma das leituras mais deprimentes que já fiz; por deprimente quero dar a entender que o livro cumpre perfeitamente sua intenção de perturbar o leitor em vários níveis, fazendo-o sentir-se com o coração apertado perante tanto sofrimento e injustiça, desafiando os limites mais insuportáveis da existência, tudo isso sem parecer forçado ou caricato. De fato, “Uma crença silenciosa em anjos” é uma completa jornada de enfrentamento das tragédias inerentes a todo ser humano, quando seus maiores temores se tornam realidade, quando a fatalidade é uma marca intrínseca da vida, uma sombra que tolda qualquer perspectiva de otimismo a longo prazo.
                O livro é descrito como um thriller, mas, particularmente, vejo que ele se desdobra em uma dimensão muito mais transcendental do que isso, assumindo um tom fortemente psicológico e dramático. A narrativa elegante de Ellory confere ao romance uma sobriedade belíssima em termos de linguagem, que chega a ser poética, embora lúgubre. Simultaneamente, o autor explora a psique dos personagens – sobretudo do protagonista, Joseph Vaughan, evidenciando o doloroso emaranhado de sentimentos, memórias e experiências vividas por ele desde a infância – enquanto constrói toda a atmosfera de paranoia e tensão coletiva que constitui o ponto de partida da história: a onda de assassinatos brutais cometidos contra crianças, que se inicia na pequena comunidade rural dos EUA onde Joseph mora, no final da década de 1930, e que perdura por décadas sem que o assassino seja capturado ou identificado.
                Assim, embora o terror infligido por esses assassinatos e as investigações em busca do serial killer constituam o caráter de suspense policial essencial à história, eu creio que Ellory se destaca bem mais na abordagem dramática do livro. Isso porque, afinal de contas, o foco do romance é a forma como uma sucessão de tragédias pessoais, perdas e desgraças do tipo mais atroz afetam radicalmente a vida de Joseph, que, inclusive, é quem narra a maior parte do livro em 1ª pessoa; uma vez ou outra aparece o narrador onisciente em 3ª pessoa. A influência nefasta do assassino de crianças sobre Joseph cresce ao longo dos anos, até sua vida adulta, a ponto de seus destinos se tornarem indissociáveis; daí, o único meio encontrado pelo personagem para se libertar de seus terrores e exorcizar os demônios do passado é enfrentar seu maior inimigo, a fim de alcançar sua liberdade e purificação pessoal, uma vez que direta e indiretamente todas as perdas  e humilhações sofridas por Joseph estão ligadas a esse terror, incorporado na forma de um assassino. E é justamente esse enfrentamento, símbolo da nossa própria busca por uma autorrealização, que constitui a magnífica catarse do livro.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015




Há alguns anos assisti ao filme FOME DE VIVER (The Hunger), de Tony Scott, clássico cult dos anos 80, que me chamou a atenção pelo visual sombrio e pela abordagem neogótica bastante original do vampirismo. Logo em seguida tomei conhecimento do romance que inspirou o filme, um livro bastante raro atualmente (uma vez que teve apenas duas edições, ambas publicadas no Brasil no início da década de 1980). Depois de muito procurar, finalmente encontrei um exemplar e pude mergulhar na atmosfera desse magnífico drama gótico.
A história gira em torno de Miriam Blaylock, uma vampira com muitos séculos de vida. Já aqui começa a originalidade do livro de Strieber: sua vampira não queima ao sol, não possui presas, não dorme em caixões nem se transforma em morcego. Na verdade, a própria palavra “vampiro” não é mencionada em nenhum momento no livro; esta é uma constatação a que se chega devido às características essenciais do vampirismo clássico: a imortalidade e a fome de sangue.
Miriam é uma criatura extremamente solitária; os seres da sua espécie estão quase extintos e só podem se multiplicar através da reprodução entre indivíduos dessa espécie. Assim sendo, Miriam sobrevive à passagem dos séculos tendo vários amantes humanos com os quais compartilha sangue; eles não se tornam vampiros, mas seres híbridos, que podem viver por séculos, mas com a mesma necessidade de sangue humano que os vampiros. Contudo, esses amantes têm “prazo de validade”: passados alguns séculos, sucumbem ao peso do tempo, envelhecendo em poucos dias o que deviam ter envelhecido em décadas. Transformam-se em cadáveres conscientes (literalmente, mortos-vivos) que Miriam “guarda” em baús por toda a eternidade, à medida que vai substituindo-os por amantes jovens.
Preocupada com esse ciclo interminável de trocas de amantes devido ao poder implacável do tempo, Miriam toma conhecimento do trabalho da Dra. Sarah Roberts, especialista em envelhecimento. A clínica em que Sarah trabalha está realizando experimentos sobre longevidade e a influência de Miriam altera radicalmente os rumos dessas experiências, criando um vínculo de sangue premeditado entre Miriam e Sarah, com desdobramentos trágicos.
“Fome de viver” é um poderoso romance gótico, excepcionalmente bem elaborado. A abordagem vampiresca (dado que sou fã dessa temática) surpreendeu-me bastante. O modo como o vampirismo é retratado é tão realista e natural que se torna crível, não sobrenatural ou mitológico. Ainda que os vampiros tenham ressuscitado como modismo adolescente, o livro de Whitley Strieber apresenta conceitos fascinantes e criativos acerca de tais seres. Não há puritanismo ou crises existenciais sobre o valor das vidas humanas tiradas. Ao invés disso há a frieza e crueldade instintivas da “espécie” e o forte apelo sexual (inclusive com descrições eróticas de muito bom gosto). A Fome de viver fala mais alto do que remorsos ou culpas, limitações ou receios. Enfim, uma obra pulsante, sombria, sensual e alucinadamente sangrenta: um relato impecável do poder e fascínio vampirescos.


quinta-feira, 16 de julho de 2015


"Minha principal angústia e a fonte de todas as minhas alegrias e sofrimentos desde a juventude tem sido a incessante, impiedosa batalha entre o espírito e a carne... e minha alma é a arena onde esses dois exércitos têm lutado."

 “ – Ele é o Senhor, não é? Pode, portanto, fazer o que bem entende. Se ele não fosse capaz de cometer injustiças, que tipo de Onipotência teria?”
“Pilatos sorriu:
 – O que quer dizer verdade?
O coração de Jesus contraiu-se de tristeza. Assim era o mundo. Assim são os governantes. Eles perguntam o que é a verdade e riem.”

Só pelo título já é possível conjeturar as razões pelas quais este livro foi “amaldiçoado” por diversos grupos religiosos conservadores e, obviamente, pela Igreja acabando por ir parar naquele badalado rol de obras que os fiéis não devem ler se desejarem ir para o Céu: o Index Librorum Prohibitorum.
Eu achava que seria algo desrespeitoso, grosseiro ou caricato, que justificasse tanta perseguição e condenação da obra, mas o que vi foi um livro maravilhoso no qual o autor traça um formidável exercício criativo. Jesus é representado de forma totalmente humana, inseguro e vulnerável às tentações da carne, mas isso de nenhuma forma diminuiu ou ridicularizou sua imagem para mim (eu sou cristão: não que isso faça diferença). Para mim não é necessário ter de escolher acreditar em um ser inalcançável e perfeito ou num ser humano de carne e osso como nós, e ainda assim ser “divino”, capaz de se sacrificar por seus ideais e por amor, acima de tudo. Na verdade, a representação física de um ícone, a meu ver, tende a aproximar o adorador à coisa/ser adorado, mostrando que tal ícone é palpável, mais real, não inteiramente etéreo.
Kazantzakis fez uma excelente releitura da história de Cristo, sem adulterar os evangelhos, mas recriando a trajetória do Salvador (particularmente seu calvário pessoal, crivado de tentações) num contexto carnal, material, como ele bem explica já no prólogo, o qual reflete o conflito entre a carne e o espírito que acompanha não apenas o personagem, mas os seres humanos em geral, independentemente de crença – ou falta dela.
Naturalmente, por contexto e temática, “A última tentação de Cristo” lembra o também controverso livro de José Saramago, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, mas é possível notar que o primeiro é mais formal, simples e sensível, apesar da escrita vigorosa, enquanto o livro de Saramago possui uma abordagem mais crua, rigorosa e preocupada com a estética narrativa que caracteriza o autor.
Finalizando, recomendo muito “A última tentação de Cristo” aos leitores que têm mente aberta e ávida por novas perspectivas (do ponto de vista literário e ficcional, ressalte-se), deixando de lado convicções religiosas durante a leitura, porque este não é um livro com a finalidade de ofender ou abalar os pilares de nenhuma crença. É, sim, um livro provocante, mas por suscitar reflexões muito mais intrínsecas do ser humano: suas angústias, aflições e dúvidas atemporais entre a carne (matéria) e a essência que nos define (o espírito). Nesse aspecto é uma obra-prima.


Cena do filme "A última tentação de Cristo"(1988), de Martin Scorsese, adaptado do romance de Kazantzakis
domingo, 11 de janeiro de 2015


Começando como uma brincadeira sobre intimidade de casal, certa noite o médico Fridolin e Albertine trocam confidências sobre suas fantasias sexuais envolvendo terceiros. A confissão de Albertine, entretanto, mais tórrida e realista, desperta em Fridolin certo desespero e insegurança em relação à esposa e, a partir de então, ele se lança numa mórbida jornada sexual, onde o erotismo disputa espaço com uma complexa, mas sucinta análise psicológica dos personagens envolvidos.
Depois de saber da “traição” – apenas fantasiosa – da esposa, ao afirmar ter desejado outro homem há muito tempo, Fridolin, cego de ciúmes, é chamado às pressas para atender um paciente no meio da noite e sai pelas ruas de Viena perturbado, tendo um encontro constrangedor com a filha do tal paciente (falecido antes que ele chegasse lá), uma mulher que alimenta fantasias com ele. Retornando à sua casa, ele encontra uma prostituta. Em ambos os casos, a perturbação em que se encontra o impede de trair Albertine, embora as circunstâncias o favorecessem. Continuando sua andança, reencontra um amigo que acaba revelando-lhe detalhes sobre seu novo trabalho, que consiste em tocar piano em certas reuniões secretas, nas quais os participantes usam máscaras e promovem orgias ritualísticas. Interessado, Fridolin manifesta vontade de ir a uma dessas reuniões, embora seu amigo demonstre contrariedade. Enfim, arranjando um meio de entrar como penetra em uma dessas reuniões, Fridolin defronta-se com algo diferente de qualquer coisa que pudesse ter imaginado. A partir de então, sonho, realidade, luxúria e culpas misturam-se numa torrente de emoções e sentimentos confusos para o protagonista.
Como transparece no título da obra (no original, “Traumnovelle”), do austríaco Arthur Schnitzler, “Breve romance de sonho” é uma obra curta, onírica, sobre o amor em sua faceta mais perturbadora, surreal. Como contemporâneo de Freud e visivelmente influenciado por suas teorias de interpretações psicanalíticas dos sonhos, Schnitzler evidencia as neuroses da vida conjugal e da infidelidade sob uma perspectiva tão sensual quanto assustadora, de modo que o livro oscila entre ser uma história de amor e de terror. Unindo elementos eróticos a uma abordagem sombria das ânsias dos personagens nessa busca por satisfação pessoal, carnal, Schnitzler constrói uma novela densa, em que, os segredos, as vergonhas e as frustrações dos protagonistas a respeito de si mesmos e de seus parceiros criam uma tensão simultânea, mas sutil. A escrita do autor permeia a obra de um suspense que beira o terror psicológico enquanto o leitor é arrastado para um mundo instintivo onde sexo e medo estão entrelaçados de modo impressionante.
Provavelmente, como o leitor terá notado, a história soa familiar; de fato, o livro de Schnitzler deu origem ao famoso – e último – filme de Stanley Kubrick, “Eyes wide shut” (“De olhos bem fechados”), com Tom Cruise e Nicole Kidman. Com algumas modificações no roteiro, como a mudança na ambientação e no nome dos personagens, o filme de Kubrick capta muito bem a essência da excelente obra em que se inspira.

Pôster do filme "De olhos bem fechados" (Eyes wide shut, 1999), de Stanley Kubrick

O livro "Breve romance de sonho" está disponível para download, em PDF, NESTE LINK.