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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
O
microbiologista Felix Rossi, juntamente com um pequeno grupo de outros
cientistas, está examinando o Santo Sudário (o tecido que supostamente serviu
de mortalha ao corpo de Jesus Cristo). Entretanto, secretamente, o Dr. Rossi
furta alguns fiapos ensanguentados do Sudário, com o audacioso plano de
realizar um clone do Filho de Deus. A partir de então, ele dá andamento a uma
jornada exaustiva para a consumação deste plano, em especial a busca por uma
“mãe” para o clone, caso a experiência dê certo.
Em síntese,
essa é a ideia central do livro de Jamilla Lankford, um projeto que do ponto de
vista informativo funciona bem melhor do que como ficção. Expliquemos o porquê.
Como trata de
uma dupla polêmica (clonagem e a “humanidade” de Cristo), o romance é bastante
competente nas suas descrições científicas, abordando a clonagem sob uma
perspectiva “didática”, muito acessível à compreensão dos leitores que, assim
como eu, não têm graduação em Biologia ou especialização em Engenharia genética.
As informações sobre o Sudário também são resultado de competentes pesquisas,
embora essa história de “ressuscitar” o Salvador através da tecnologia não seja
necessariamente uma novidade na literatura de ficção científica.
Lankford,
entretanto, apresenta seu romance sob uma perspectiva mais humanizada – uma vez
que seu projeto tem em vista a criação de um ser humano como outro qualquer
através da manipulação de DNA, deixando de lado, até certo ponto, a condição
divina de Cristo. Até aí tudo bem; contudo, a história criada pela autora para
abordar esse tema carece de ação e até mesmo de personagens mais interessantes
e polivalentes. Excetuando-se o protagonista, Dr. Felix, cujas motivações para
a criação do clone são realmente interessantes e valem a leitura, os demais
personagens são rasos e não têm o peso necessário para ter importância na
história. Até mesmo a mãe que Felix arranja para o clone é uma personagem
frágil e sem graça, o que é justificado pelo fato de ela ser uma “reconstrução”
de Maria: abnegada e inteiramente entregue à sua fé.
De fato, nota-se que Lankford tenta
reconstruir, a seu modo, uma Segunda Vinda de Cristo, traçando paralelos entre
a sua obra e o texto bíblico. Assim, há uma Maria (Maggie), que aceita a missão
de ser a mãe do Filho de Deus, um José (Sam), o homem que a ama, mesmo sem
poder tê-la fisicamente até o nascimento da criança e até um Herodes (o
milionário Brown, que vê seu império ameaçado pela vinda desta criança e
pretende executá-la).
Todavia, a
história flui muito lentamente, com um desenvolvimento previsível ao longo de
suas mais de 380 páginas. Talvez a falta de reviravoltas no livro, bem como a carência
de tensão tenha sido a intenção da autora, mais preocupada com os pequenos
dramas pessoais dos personagens, em uma busca espiritual rasa do que com os
desdobramentos reais da experiência do Dr. Rossi, os quais são apenas
superficialmente apresentados no decorrer do livro, ganhando mais consistência
com a proximidade do clímax. Esse ápice é o ponto mais importante do texto e
pelo menos aqui a autora costura o nascimento da criança com os eventos
turbulentos decorrentes dele de forma muito verossímil e frenética, apresentando
o caos sensacionalista da mídia, inclusive, depois que a notícia do clone vaza
abertamente. Contudo, passados esses bons momentos, o livro volta ao seu
patamar original de obra rasa e encerra-se com um final meio frustrante,
provavelmente aberto a uma sequência.
Para
finalizar, se me perguntam se “O Clone de Cristo” é um livro ruim, eu respondo
que depende do que se espera dele: se é um romance policial à maneira de Dan
Brown, esqueça, pois no livro de Lankford não há a ação vertiginosa nem os
personagens enigmáticos que acarretam tantas reviravoltas ao longo do texto num
ritmo de tirar o fôlego. Não, nada disso.
Ainda assim,
para mim a leitura valeu a pena pelas informações científicas e pelo embate
entre ciência e religião – um de meus temas prediletos – mesmo que a autora não
tenha sido tão bem-sucedida na construção da história.
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
Constance, uma
aristocrata britânica criada no seio de uma família relativamente liberal, é casada
com Clifford Chatterley, que retorna da Primeira Guerra paralítico em
consequência do conflito. O casal vive em uma majestosa propriedade rural
inglesa, acompanhado apenas de alguns criados e da enfermeira de Clifford (que,
posteriormente torna-se governanta da casa). Naquele ambiente bucólico,
Constance conhece Oliver Mellors, o guarda-caça do marido e acaba por se
envolver em um tórrido relacionamento sexual com ele.
Basicamente é
esta a premissa do romance de David Herbert Lawrence; contudo, a obra não fica
presa no modelo simplista de mais um livro sobre adultério feminino. Publicada
já no século XX, a obra de Lawrence é estruturalmente inovadora em vários aspectos,
sendo, sem dúvida, a abordagem sexual aberta um dos mais relevantes. Lawrence
utiliza, nas constantes descrições e diálogos eróticos uma linguagem bastante
crua e direta, sem eufemismos no que se refere ao ato sexual, que é mencionado
em detalhes objetivos. O tratamento liberal dado ao sexo justifica por que “O
amante de Lady Chatterley” gerou tanto escândalo na sua época e até problemas
judiciais, o que resultou na censura de trechos mais explícitos do livro.
Apenas à beira da década de 60 o texto integral foi liberado e chegou a ser
conhecido amplamente.
Como já
mencionado, o romance difere da maioria das histórias clássicas sobre adultério
da literatura ocidental (como ‘Madame Bovary’ e ‘O primo Basílio’),
especialmente porque, neste caso, a mulher tem plena consciência de seus atos,
não estando seduzida pelo homem, deixando-se levar por inércia e ilusões
românticas. Longe disso, Constance foi educada sob frouxos e inovadores princípios
morais (já não era virgem quando se casou) e compreende seu papel ‘feminista’
como ser humano ativo, sem a passividade característica das personagens
femininas nas obras do século XIX. Lady Chatterley é um símbolo da mulher do
novo século, que anseia por liberdade sexual e a alcança tanto em ações quanto
em pensamento. Não são raras as ocasiões em que Constance conversa abertamente
sobre sexo e orgasmo com o marido inválido (ele deseja um herdeiro e até sugere
que ela engravide de alguma ‘aventura’ externa) e com Mellors, de quem realiza
as fantasias e vice-versa.
Entretanto, a
obra de Lawrence projeta-se além do apelo carnal imperioso dos personagens: ele
discute a modernização, acima de tudo; seja a própria concepção moderna do
sexo, isto é, o desfrute dele sem o pudor hipócrita e os estigmas das épocas
passadas, seja através do conceito mais concreto da palavra ‘moderno’ numa
escala global: a industrialização. O livro fala amplamente acerca da
industrialização que cada vez mais mecaniza o ser humano e suas relações na
sociedade, evidenciando, paralelamente, o contraste entre a zona rural – onde
se passa a maior parte da história – e a cidade, que cresce e gera lucros
exorbitantes para alguns, enquanto outros são explorados em sua mão de obra.
De uma forma
ou de outra, o livro de Lawrence lida com a dualidade; figurativamente,
ressaltando a força e vigor instintivo e emocional do ser humano apoiados em um
ambiente natural (o campo) e a perda da naturalidade de suas relações
(inclusive a intimidade) através do artificialismo moderno e da mecanização da
sociedade urbana. Nota-se, por fim, que “O amante de Lady Chatterley” é um
romance paradoxal e complexo, insinua-se pelos caminhos da psicologia dos
personagens e de questões sociais, as quais se mesclam ao erotismo e resultam
em uma obra relevante.
Pôster da adaptação cinematográfica de "O amante de Lady Chatterley", de 1981, dirigida por Just Jaeckin. Como grande parte dos clássicos, o romance teve várias versões para o cinema.
Este livro está disponível para download em PDF NESTE LINK.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
Entre os
maiores mistérios existenciais da espécie humana, um dos mais aterradores,
juntamente com o drama da própria morte, é a existência do Mal; não um mal
metafórico, figurativo, ou ancorado em princípios éticos de comportamento, mas
o Mal palpável, demoníaco, referente à existência do Diabo, do Inferno e de sua
influência perniciosa e destrutiva sobre o ser humano. Tal perspectiva, que não
deixa de estar intrinsecamente ligada a religião, sempre sofreu ‘intervenções’
por parte da ciência e, em particular, da medicina, como se uma delas tivesse o
poder de anular ou descartar inteiramente a outra.
Baseando-se com maestria nesse conflito entre fé e
ciência relativamente à demonologia, William Peter Blatty construiu um dos mais
perturbadores e célebres romances de terror de todos os tempos: “O Exorcista”,
êxito que se repetiu na adaptação cinematográfica realizada logo após seu
lançamento.
Em resumo, trata-se da história de Chris McNeil, uma
atriz e mãe de uma garota pré-adolescente que passa a manifestar um
comportamento bizarro e violento, inexplicavelmente. A princípio, a garota
(Regan) é submetida a uma extenuante série de exames – alguns deles bastante
invasivos – a fim de se diagnosticar a causa de seus problemas aparentemente
psicológicos. Contudo, após todos os exames, onde fica claro que ela não tem
nenhum problema mental, e ao passo que a situação ainda assim se agrava cada
vez mais, resta apenas recorrer a um meio “alternativo”:
um exorcismo.
A partir de então, obra de Blatty desenvolve-se por
meio da alternância entre a visão científica para o exorcismo (através do termo
autossugestão) e a perspectiva da
Igreja, a qual ainda crê na sua eficácia, mas exige comprovação de que os
supostos endemoninhados não são apenas portadores de desvios psicológicos. Para
promover essa visão dual sobre o exorcismo, Blatty apresenta Damien Karras, um padre
e psiquiatra que está sofrendo de uma crise de falta de fé, acentuada com a
morte recente da mãe. Caberá a ele a árdua missão de desvendar e lidar com a
força maligna que está possuindo Regan.
Os personagens de Blatty, com ênfase em Chris e
Karras, são multidimensionais, abordados em suas diversas facetas psicológicas,
o que por si só situa o livro num patamar muito mais elevado do que o de mero
horror. A história possui a densidade necessária para sugar o leitor a um
universo de dúvidas quanto ao que acreditar. Os próprios conflitos existenciais
de Karras e suas numerosas dúvidas entre a fé e a ciência o tornam um
personagem genuinamente humano, no sentido mais simplista e limitado da
palavra. Ele, sendo um clérigo, deveria exercer mais fé na sua crença,
enquanto, por sua vez, sendo psiquiatra, poderia crer na medicina e na ciência
como um todo de modo a corroborar seus princípios. Entretanto, o que vemos é um
ser atormentado pelo vácuo da sua própria vida, fragilizado pelas perdas e que,
num último esforço de se provar capaz, encara a pequena Regan como o desafio
que pode, ainda que inconscientemente, redimi-lo e fazê-lo restituir sua
própria fé, o que será alcançado com o auxílio de outro personagem, não menos
importante: o ancião padre Merrin. Este ganha destaque já no final do livro,
mas sua participação no desenlace da história é crucial.
Longe de ser uma obra rasa de horror sobrenatural ou,
como alguns pensam, um livro apológico sobre cultos demoníacos, “O Exorcista”
é, antes de tudo, uma perturbadora viagem psicológica nos labirintos do bem e
do mal, da ciência e da religião e suas ambiguidades. Há, sim, uma história
sobrenatural aterradora, perversa, bem como detalhadas informações sobre cultos
satânicos (com destaque na Missa Negra), possessões, exorcismos e sobre o
demônio abordado na obra: Pazuzu.
Uma história de terror profunda, mas, ao mesmo tempo,
escrita com simplicidade, sem floreios nem pedantismo, aliada a uma grande
riqueza de detalhes informativos, tudo isso contribui para fazer de “O Exorcista”
um livro essencial aos amantes de obras inteligentes, independentemente do
gênero.
Pôster da premiada adaptação de "O Exorcista", de William Friedkin, de 1973
*O livro está disponível para download (PDF) NESTE LINK.
*O livro está disponível para download (PDF) NESTE LINK.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Obra-prima de José de Alencar, correspondente à vertente indianista do Romantismo brasileiro, “Iracema” é, com certeza, um dos romances mais populares do nosso país. Na obra, o leitor se depara com o vigor narrativo alencariano sob uma perspectiva estruturalmente bem construída, na qual o autor entrelaça o fictício relacionamento amoroso da protagonista indígena Iracema, (a “virgem dos lábios de mel”) e o “branco” Martim, acrescendo a isto uma intensa pesquisa histórica, notável na própria tessitura do livro, que evidencia aspectos “reais”, como as referências constantes à colonização brasileira, sobretudo às lutas por conquista de terras nordestinas.
Um aspecto peculiar de “Iracema” é a sua linguagem
extremamente elaborada, não apenas pelo rebuscamento característico de Alencar
e, genericamente, do próprio período literário, mas no que se refere aos
mecanismos linguísticos adotados pelo autor de maneira impressionante e não tão
presente em suas outras obras (mesmo as demais indianistas “O Guarani” e “Ubirajara”).
Alencar concilia a prosa do Romantismo com uma fluência poética rara, elevando
o livro a um patamar superior ao de mero romance e já anunciando que é um autor
visionário: em “Iracema”, ele escreve como se estivesse criando um poema lírico
em prosa, demonstrando que é possível transpor o limite de que a prosa deve ser
“organizada”, enquanto a poesia se permite maiores “liberdades” nos versos.
Assim, ler “Iracema” é como contemplar um belo poema escrito com toda a
idealização e lirismo pertinentes, por exemplo, à poesia de Gonçalves Dias;
porém, a obra de Alencar consegue se adequar à prosa de maneira exemplar,
constituindo um grandioso romance (apesar de sua brevidade em páginas). Outro elemento
interessante, ainda referente à linguagem do livro, é a “indigenização” do
vocabulário: Alencar teve o cuidadoso esforço de promover uma pesquisa acerca
da linguagem indígena, crivando o romance de palavras e termos vernáculos, o
que confere à obra uma maior nacionalização e verossimilhança na narração, ao
mesmo tempo em que procura se distanciar de estrangeirismos.
Alguns leitores podem, contudo, encontrar certas
dificuldades na leitura de “Iracema”, sobretudo aqueles que não têm muito
contato com a literatura clássica, ou os que estão mais adaptados a livros cuja
linguagem seja contemporânea. Na verdade, isto é bastante compreensível, uma
vez que a leitura deste livro requer atenção redobrada até mesmo de quem está
acostumado com as obras do período romântico. Duas observações podem ser de
grande ajuda nestes casos: dar preferência às edições que possuam notas
explicativas (as que contêm notas do próprio autor) e, a principal orientação,
que chega a ser um clichê sem tamanho: ler por vontade própria e por iniciativa
em querer conhecer o livro, não por pressão ou às pressas. No primeiro caso, a
leitura será infinitamente recompensadora; no segundo, pode ser um ato desagradável
e incompreensível – como, aliás, ocorre com qualquer outro livro, seja ele
clássico ou não.
Pôster da adaptação de "Iracema", de 1979, realizada por Carlos Coimbra.
*Livro disponível para download NESTE LINK.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
É
sempre difícil escolher um livro em especial para ser objeto de análise e de
uma apreciação – ainda que amadora e superficial – que dignifique a obra. Contudo,
pegando carona na abordagem acerca das dualidades humanas na literatura, tão
bem registrada por Fernanda Barros, julguei interessante falar algo a respeito
de outro clássico que, sob uma perspectiva diferente, também tece intrigantes
considerações sobre o tema.
“Frankenstein”,
obra aclamada de Mary Shelley, concebida entre pesadelos e inquietações da
autora (tal qual “O Médico e o Monstro”, de Stevenson), é um livro
verdadeiramente tenso e sombrio, do tipo que pode causar arrepios e desconforto
no leitor. Entretanto, tais sensações estão mais relacionadas ao conteúdo
crítico do livro do que pelo clima de terror propriamente dito (o qual, diga-se
de passagem, não é tão destacado quanto o cinema pinta, de forma
estereotipada). A obra possui, sim, todo um clima gótico e, por diversas vezes,
depressivo, uma provável influência de Byron, amigo da autora; entretanto, o
diferencial do livro é a discussão implícita sobre a dualidade da alma humana,
a qual estão entrelaçados valores morais (bem, mal) e estéticos, como a
ditadura da perfeição física.
Em
“Frankenstein”, o ponto de partida adotado é a obsessão pela ‘cura’ da morte
ou, mais precisamente, a superação da mesma através de métodos ilícitos; tais
métodos não são especificados, mas a autora faz menção a galvanismo e outros
procedimentos científicos de efeitos discutíveis, que geram ainda controvérsias
nos campos da medicina e da ética. Obcecado pela ideia de poder criar um ser
vivo ‘melhorado’ através de experimentos bizarros, o Dr. Victor Frankenstein
(personificação da ânsia insaciável do homem pelo conhecimento) constrói a
famigerada e horrenda criatura dotada de vida, a quem logo despreza, ao tomar consciência
– demasiadamente tarde – do quão desastrosa fora sua experiência. Horrorizado ao
finalmente ver a sua criação concluída de maneira tão grotesca, Frankenstein, o
criador, abandona o “monstro” à própria sorte.
Mais
do que simbolicamente, o abandono da criatura pelo criador nos faz refletir
acerca do maniqueísmo e dos rótulos predeterminados pela aparência: quem é,
afinal, o monstro? A criatura, cujo aspecto físico é repulsivo, mas é inicialmente
inofensivo, ou o criador, homem respeitável perante a sociedade, que não quer
assumir as responsabilidades que lhe são pertinentes diante do fracasso de sua
obra? A dualidade da alma humana, em seus aspectos primordiais (bem e mal) é
trabalhada de maneira representativa; o conflito é visto, sob uma visão
superficial, como o mesmo de “O Médico e o Monstro”, embora aqui as
personalidades aparentemente opostas estejam separadas em dois indivíduos
distintos, não fazendo parte do mesmo organismo, como ocorre na obra de R. L.
Stevenson.
O bem é representado pelo Dr. Frankenstein,
enquanto o mal é sintetizado em sua criatura abominável... mas, até que ponto? Até
que ponto os seres se conservam bons ou maus? Embora Frankenstein tenha tido em
vista um progresso científico, o que devia encaixá-lo na categoria de “bom”,
nota-se que ele possui ganas de se destacar por seu feito, tornar-se célebre, o
que deve situá-lo numa categoria menos favorável do ponto de vista moral. Paralelamente,
a criatura não é má por natureza; no início é apenas um ser confuso, que não
sabe se comunicar, teme os homens e envergonha-se de sua triste figura física. O
desprezo dos seres humanos pelo seu aspecto (note-se aqui a estética da beleza
física implícita, mas evidente) o faz desgostar-se com a humanidade, sendo, por
assim dizer, obrigado a odiá-la. Daí, surge o desejo de vingar-se, tornar-se
odioso e mau, uma vez que fracassou na tentativa de “ser bom”. A vingança
contra seu criador é, de fato, execrável, mas até certo ponto justificável pela
Lei de Talião: olho por olho, dente por dente. Os sofrimentos e perturbações
que ele impõe a Frankenstein são, afinal, pouca coisa comparados à vida
desgraçada e forçadamente isolada que o monstro é condenado a viver.
Mary Shelley desejava escrever apenas um conto de
terror que, nas palavras da própria autora, fosse capaz de gelar o sangue do
leitor. Embora certamente ela tenha conseguido tal feito, pôde simultaneamente
construir uma importante alegoria a respeito de valores e questões intrínsecas
à existência humana. Some-se a isto uma linguagem fluente, rápida e dinâmica e
será possível fazer clara ideia do conteúdo de seu livro monstruosamente
humano.
"Frankenstein de Mary Shelley" (1994), de Kenneth Branagh: uma fiel e cuidadosa adaptação do livro clássico.
O livro "Frankenstein" está disponível para download, no formato PDF NESTE LINK.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Em agradecimento ao convite recebido para adentrar neste macrocosmo tão vasto de leituras compartilhadas, através de elevados e propícios pontos de vista, recorro a uma artimanha reles, porém necessária. Eis a explicação sucinta: ao acessar o blog, deparo-me com o comentário crítico da obra "O Médico e o Monstro" e eis que surge do meu intrínseco a grande verve de também arriscar minhas considerações a respeito de "um clássico que continua assustando e fascinando gerações", como bem evidenciou o meu amigo e idealizador do blog, no início de seu texto, o qual encontra-se no seguinte link de acesso: http://metamorfosedaleitura.blogspot.com.br/2013/03/sobre-o-livro.html.
Apesar de ser, de fato um clássico, tive o incrível prazer de conhecer a obra, em seu texto completo, somente este ano. E assim que a temática - a respeito de um ser que se transforma em outro e vice-versa - apareceu relembrei de outra obra (mania de nerds alucinados por leitura!!!!!): "O Lobo da Estepe" do Hermann Hesse, pois há nesta obra o enfoque do homem e dos seus instintos animais, provando assim o quanto somos vários ou no mínimo dois. Dois seres com apenas algo em comum: o ser que os resguarda.
No caso de "O Médico e o Monstro" até mesmo a aparência física era modificada sempre que Hyde aparecia, incialmente de maneira forçada através das fórmulas devidamente preparadas por Jekyll e, mais tarde, não havia mais o controle científico de quando Hyde apareceria, mesmo quando o "elixir" não era absorvido pelo organismo do médico. Esse descontrole aparece também na obra de Hesse, mas de maneira mais sutil: o lobo não consegue ficar trancafiado sempre que alguma situação social o força a moderar-se, a entrar no jogo hipócrita do "como agir para agradar a todos?". E essa mesma questão podemos analisar no cerne da obra de Stevenson, pois Jekyll declara em sua carta o quanto precisava da presença de Hyde, já que tudo aquilo que este fazia (e com tamanho desembaraço, muitas vezes) jamais poderia ser feito por aquele, homem de renome, reconhecido por seus trabalhos e elevados préstimos à sociedade londrina.
A dúvida existe nas duas obras: o lobo ou o homem? o médico ou o monstro? Há como separar as duas disparidades se elas são concentradas, por mais absurdo e insano que pareça, num mesmo e único ser? Jekyll, em seu final tresloucado, mas ainda com réstias de consciência, conclui que não poderia optar por Hyde, por mais que este fosse a sua forma de ganhar liberdade para fazer e agir o que bem lhe entendesse e a quem quisesse, não importando em nada os malefícios causados a outros. Raciocina ele que se Hyde fosse o ser que permanecesse estaria desamparado em diversos aspectos e um deles era o desamparo da racionalidade tão presente em si mesmo, ou melhor dizendo, em Jekyll.
E é metamorfoseado em Jekyll-Hyde que o corpo da dualidade forçada é narrado ao leitor. E nesta parte da obra, veio-me à mente mais uma: "A Metamorfose" do grande Kafka. Gregor Samsa "simplesmente" amanhece tal qual um inseto (não, Kafka nunca quis demarcar qual inseto e é uma heresia fazê-lo nós mesmos!) e o livro todo ele entra em combate com sua condição física, com seus instintos, com suas memórias e seus pensamentos atormentadores atuais e, assim, mais uma vez temos a dualidade, a batalha entre o que pensamos ser e o que detestamos que, de alguma forma, pudéssemos ser ou sermos entendidos e vistos.
De certa maneira, "o outro", "o monstro", "o bicho", "o selvagem" é oriundo do medo, da agonia, do desespero sobre a opinião alheia, sobre como seremos analisados e medidos. É por esse meio que a outra parte se revela, mesmo quando é escondida a sete chaves no âmago mais profundo e obscuro do ser. É por ser amordaçada que a besta (a última referência nerd da postagem, já que estou finalizando a mesma: em "Viagem ao redor do meu quarto" do escritor francês Xavier de Maistre, o qual teve como leitor Machado de Assis, faz nascer em seu livro diversas teorias incríveis e uma delas é sobre "a alma e a besta" e esta última é a responsável por todas as atitudes arbitrárias e incomuns, as quais a alma jamais teria coragem e/ou determinação) procura e encontra a verve da saída para mostrar-se e chocar, certamente, a profusa notoriedade do meio social.
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
“Comovente, sugestivo, esperançoso... Fala
diretamente ao coração.”
(The New York Times Book Review)
No cenário alemão devastado pela Segunda Guerra e
ainda num frágil processo de reconstrução – inclusive moral – o jovem Michael
Berg conhece Hanna Schmitz, com quem inicia um caso amoroso conturbado e
misterioso. Porém, algumas peculiaridades deixam marcas perenes neste romance;
Michael tem apenas 15 anos, enquanto Hanna é vinte anos mais velha; o
relacionamento entre eles é breve, mas contextualizado pela descoberta do sexo
(para ele) e da literatura (para ela), uma vez que fica claro um “ritual”
rotineiro para os encontros de ambos: Michael lê para Hanna trechos de obras
clássicas e, depois, eles fazem amor.
Entretanto,
como já mencionado, o romance entre eles não é tão simplista, mas, pelo
contrário, crivado de pequenos incidentes, que produzem um jogo de dilemas,
segredos e vergonhas. O relacionamento deles dura apenas um verão, depois do
que Hanna desaparece sem deixar pistas. A princípio, Michael fica inquieto e
sente remorsos por julgar-se culpado da partida de Hanna, mas algum tempo
depois ele a reencontra. Contudo, as circunstâncias desse reencontro são
radicalmente diversas para as posições que ambos ocupam: Michael é estudante de
Direito; Hanna, uma acusada de crimes de guerra, responsável por extermínios de
judeus em Auschwitz.
É
necessariamente a partir desse reencontro que o livro de Bernhard Schlink ganha
contornos mais densos e psicologicamente mais agudos, embora desde o início da
narrativa o autor demonstre sutil perspicácia em evidenciar detalhes que
fundamentem o lado subliminar da obra. A inquietação de Michael pela descoberta
do amor platônico/carnal é registrada em poucas palavras, mas organizadas de
forma expressiva, o que torna a leitura rápida e fluente, ainda que carregada
de reflexões. Talvez isto seja efeito da habilidade de Schlink em condensar
ideias sem deixar de lado a sensibilidade necessária à compreensão e empatia do
leitor com o romance.
A cada encontro de Michael e Hanna, antes da
separação, podem-se perceber, implicitamente, as trocas de olhar, os gestos,
até parte dos pensamentos dos personagens, sempre meio encobertos, evidenciando
que suas mentalidades não são maniqueístas, mas multifacetadas – em especial a
de Hanna, de quem nunca temos informações suficientes para saber quem ela é (ou
foi) realmente.
A narração em primeira pessoa, pelo próprio Michael
também mostra grande complexidade de sua psicologia: do fascínio exercido pela
presença e contato com Hanna à dúvida de como prosseguir quando a reencontra;
deveria ele interceder a favor dela, sabendo que essa mesma interferência
poderia expô-la a uma humilhação que a seu ver é pior que a acusação por que
está passando? Esse dilema é um eixo fundamental à obra, conduzida a partir
disso por profundas reflexões que transcendem o mero ressentimento por um
romance juvenil; Schlink faz seu romance oscilar desse drama a discussões sobre
erros, falhas e vergonhas humanas, não apenas do ponto de vista pessoal e
íntimo, mas também de forma genérica, ao abordar as consequências do
Holocausto, da guerra e da inércia das pessoas diante de tais horrores, cujas
marcas poderão cicatrizar, mas nunca serão esquecidas ou apagadas da História.
Não bastasse essa profundidade crítica no livro de
Schlink, temos ainda um desfecho inusitado na história de Michael e Hanna que,
embora “merecido”, sob certos aspectos, comove o leitor, especialmente porque
antes de tal desfecho, ela, Hanna, atinge sua redenção e supera sua maior
vergonha. Resumindo: um livro sublime.
Pôster da adaptação de "O Leitor" (The Reader, 2008), de Stephen Daldry, para o cinema.
Para informações sobre o filme, acesse ESTE LINK.
O texto do livro "O Leitor" está disponível para download através DESTE LINK.
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